domingo, 18 de novembro de 2007

Mas o que é a...


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Quando nos referimos à imagem digital, estamos de fato falando sobre o quê? Sobre imagens capturadas pelo sensor eletrônico de uma máquina digital? Sobre ampliações em papel escaneadas para recuperação e armazenagem? Fotografias feitas com um celular e en­viadas por satélites? Negativos digitalizados manipula­dos no computador? Imagens constituídas de pixels e visualizadas em todo tipo de tela? E também impres­sas em mídias tradicionais de papel? E enviadas pela rede para qualquer pessoa? Ou ainda sobre imagens construídas digitalmente a partir de diversas fontes? Ou sobre dados enviados por uma câmera para uma impressora por tecnologia Wi-Fi?

Diríamos que imagem digital compreende todas as opções acima e ainda outras mais. Algumas existentes; outras, por vir. Vivenciamos um processo significativo de mudança na forma de produzir imagens e ainda é difícil vislumbrar todas as conseqüências para os profissionais da imagem e da comunicação, no que se refere ao processo criativo, ao planejamento do trabalho, a direitos de imagem, a aquisição de tecnologia e a aprendizado. No Brasil, notadamente, na década de 90, inicia­ram-se as adaptações ao novo sistema, com a compra de scanners, softwares de tratamento de imagem e treinamento dos profissionais. Hoje em dia, não existe uma redação, agência de publicidade ou escritório de design que não esteja integrado à produção digital de imagens. Entretanto, as mudanças não se restringem ao equipamento, mas incluem uma nova forma de raciocinar e trabalhar com as imagens, sob novas condições e, sobretudo, um novo ritmo.

O diagrama acima destaca e relaciona caracterís­ticas relevantes do sistema digital de imagem, dando destaque a questões relevantes como: a natureza numérica da imagem digital e sua imaterialidade, a disseminação pela internet, o grande volu­me de informação produzido no meio em questão, a dificuldade da preservação das imagens, o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas ferramentas digitais, a flexibilidade da matriz digital, a automação das etapas e as particularidades do processamento da imagem no contexto da computação.

O digital nos impõe novos protocolos a serem assimilados rapidamente. É preciso saber relacionar o conhecimento consolidado na experiência de trabalho no sistema analógico com as mudanças trazidas pelo digital de modo a reconhecer o potencial e os limites dos recursos disponíveis, sabendo, ainda, relativizar as facilidades aparentes e os imediatismos proporcio­nados pelo digital, na medida em que se aprende a usá-lo de forma aprofundada e consciente.

Velocidade


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“Resultado dos mais recentes avanços ...” | Antonio Fatorelli (in: Ciclo Paradigma Digital, Centro Cultural Telemar, 2006)

Liberdade e experimentação


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“O conceito de edição da fotografia se amplia ...” | Arlindo Machado (in: Ciclo Paradigma Digital, Centro Cultural Telemar, 2006)

Gerenciamento das imagens


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"A única coisa que eu costumo fazer é um backup..." | AC Junior, fotógrafo (in: Ciclo Paradigma Digital, Centro Cultural Telemar, 2006)

Criatividade x distorção

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“No tempo da manipulação digital das imagens...” | Arlindo Machado (in: Ciclo Paradigma Digital, Centro Cultural Telemar, 2006)

Formatos de arquivos digitais de imagem

A imagem digital pode ser gravada de diferentes formas. Cada formato de arquivo atende a determinadas necessidades, mas é preciso conhecer suas limitações. O formato GIF, por exemplo, se consagrou como o ideal para web, porque gera arquivos de tamanho pequeno e é suportado por vários browsers. Porém, tem a limitação de só poder apresentar 256 cores. Em função disso, o formato PNG vem ganhando espaço e é apontado como o substituto do GIF na web. A tabela abaixo procura mostrar algumas diferenças entre formatos de arquivos de imagem (clique na imagem para aumentar).



Flexibilidades da imagem digital

A informação numérica que constitui um arquivo de imagem pode ser lida e traduzida por diferentes dispositivos. A imagem permanece no meio virtual, sendo contemplada em monitores e difundida pela rede, ou se materializa sobre papel. Para cada finalidade existem formatos de arquivo adequados, em função de fatores como resolução e cor. A flexibilidade da matriz digital permite diferentes graus de compressão, o que facilita trocas na web.

Compressão

A compressão de dados é o ato de reduzir o espaço ocupado por dados em algum dispositivo. Essa operação é realizada através de diversos algoritmos de compressão, que reduzem a quantidade de bits para representar um dado, seja ele uma imagem, um texto ou outro arquivo qualquer. Essa redução é feita através da eliminação das informações redundantes. O exemplo abaixo ilustra esse princípio. No caso de uma imagem, a redundância pode ser a repetição de um pixel da mesma cor na imagem, como os pixels azuis de grandes áreas de céu.

Há, basicamente, dois tipos de compressão de imagem: com perda ou sem perda de informação. A diferença é que o primeiro tipo elimina a informação redundante e também aquela que o algoritmo considera irrelevante. Em função da perda de informação, essas imagens tendem a apresentar passagens de tons menos suaves e menor nitidez. São imagens comuns na web.

A natureza numérica da imagem digital

A existência da imagem digital sob a forma de números altera todo o processo de produção da fotografia, que passa a se inserir no sistema binário usado pela computação. Um arquivo de imagem é escrito da mesma forma que qualquer outro tipo de dado digital. O suporte deixa de ser específico como era a película fotógrafica. Bits e caracteres descrevem as unidades mínimas da imagem, os pixels, que formam uma matriz de pontos, cuja resolução determina o nível de detalhes apresentado na imagem.

Sistema binário

A imagem digital está inserida no sistema básico da computação, que emprega o código binário e tem o bit como menor unidade de informação. O bit (binary digit) assume um único valor, 0 ou 1. Fisicamente, o valor de um bit é armazenado como uma carga elétrica acima ou abaixo de um nível padrão em um único capacitor de um dispositivo de memória. Os computadores armazenam instruções em múltiplos de bits, os bytes, cadeias de 8 bits. A cada byte corresponde um caracter, ou seja, um número, letra ou símbolo. A tabela ASCII (American Standard Code for Information Interchange), uma padronização da indústria de computadores, informa qual cadeia de bits representa cada caracter. A representão binária da letra D é 0100 0100, por exemplo. Os caracteres são usados para escrever programas, instruções e todo tipo de arquivo digital. Assim, no meio virtual, a imagem digital tem três instâncias:

  1. cadeia de bits (invisível)
  2. mapa de caracteres designado por cadeia de bits (visível ao abrir o arquivo de imagem em programa de editoração de texto, como abaixo)
3. visualização na tela a partir da transcrição da informação numérica de cada pixel da imagem para cada ponto do monitor (foto abaixo relativa ao código acima)



A fragilidade e a preservação das imagens digitais

Não há limite ou há pouco limite para os acervos digitais. A capacidade de armazenagem dos computa­dores é cada vez maior e serviços da internet começam a oferecer grandes espaços para guardar backups de clientes. Arquivos não ocupam espaço físico e podem ser acumulados aos montes. Porém, torna-se imperativa uma organização criteriosa do material para possibilitar o resgate da imagem desejada. Caso contrário, é o mesmo que não tê-la. Além da dificul­dade de ordenar um volume crescente de imagem, há o problema da conservação, devido à fragilidade da informação digital gravada em mídias, cuja durabilida­de é imprevisível. Fica-se, na verdade, à mercê do hard disk, de cds, dvds, etc... Quem não tiver a disciplina de manter um rigor de backups constantes, pode não ter imagem alguma a recuperar. Há também a necessida­de de utilizar mídias e suportes de última geração.

Certamente o problema da conservação não surgiu com o digital. Acervos inteiros em película e papel já se perderam, estão se perdendo e se perderão, destruídos por fungos, luz, arranhões, poeira, etc... Entretan­to, as condições para a conservação eram muito dife­rentes. Dependiam do acondicionamento dos originais em arquivos feitos de metal apropriado, em tempera­tura correta e determinada condição de iluminação. A ação da gordura das mãos também deve ser evitada com o uso de luvas. Tudo isso também requer bas­tante disciplina, somado ao investimento em espaço, infra-estrutura e manutenção. Sob esse ponto de vista, o sistema digital também reduz custos, na medida em que fazer backups apenas pressupõe a compra de cds, dvds e outras mídias que se tornam mais baratas quando chega outra novidade no mercado (processo sempre mais acelerado).

A possibilidade de digitalizar imagens tanto em película quanto em papel está per­mitindo recuperar acervos antes fadados ao desapa­recimento. Uma vez no computador, a imagem pode ser restaurada, as cores podem ser recuperadas e arranhões, rasgos e dobras podem ser trabalhados ou até mesmo removidos, neste caso, apagando a ação do tempo sobre aquele suporte físico. Talvez o aspecto mais importante disso seja o seguinte: a digitalização permite que as imagens recuperadas cheguem ao público, saiam da obscuridade do arquivo e tornem-se fonte de pesquisa e referência visual. O acervo não pode ser manuseado em nome da con­servação, mas pode ser acessado na rede no caso da criação de um banco de imagens ou em computadores disponíveis para pesquisa em museus.

Chega-se a um ponto que central na refle­xão sobre a imagem digital. A matriz virtual é extrema­mente flexível: pode ser gravada, impressa, projetada, processada e enviada pela rede. Essa versatilidade, somada ao enorme desenvolvimento da internet, conferem à imagem digital um enorme poder de co­municação e disseminação. Essa característica tende a se intensificar em função dos novos avanços tecnológi­cos: maiores velocidades de conexão, captura e envio de arquivos de imagem cada vez maiores por celular, melhores técnicas de compressão de arquivo, conexão wireless e por bluetooth, maiores caixas postais, mais facilidade para expor conteúdo na internet, etc.

A relação com a imagem na ‘sociedade conectada’

A flexibilidade da matriz da imagem digital é levada ao limite com as possibilidades de conexão oferecidas pela internet. A facilidade de disseminação da imagem estática ou em movimento no contexto digital altera a lógica de aplicação desse recurso nos meios de comunicação. A imagem pode estar em qualquer lugar, se repete sem custos, agrega valor estético e de informação, mas a questão digital não se resume à facilidade e à denunciada banalização das imagens, mas também se insere e desempenha papel fundamental no regime de visibilidade e exposição da sociedade contemporânea.

A troca e a exibição de conteúdo pela rede vem alte­rando nossa relação com as imagens. Tornou-se tão fácil mostrar que o estranho passa a ser não mostrar. Em qualquer comunidade virtual ou serviço de chat, o comum é ver uma imagem icônica e ideal identifican­do o outro. Em fotologs, blogs, no Orkut, no Multiply, entre tantos outros, os indivíduos constróem suas iden­tidades com a exibição de fotos pessoais. A imagem digital permite a migração das fotografias do álbum de família para o espaço público. Agora, o interesse pela intimidade do outro, incentivado pelos reality shows e pelas redes de comunidades, é acom­panhado pelo desejo de ser visto e se diferenciar em meio a tantos outros profiles, objetivo angustiante que volta a estimular o processo.

A relação dos indivíduos com suas fotos pessoais também está mudando na medida em que as máqui­nas digitais compactas, levadas para qualquer lugar, registram cada momento de todo evento. Parecemos querer alterar “a função moderna da fotografia de atri­buir singularidade a um determinado instante. Como lembrar algum acontecimento se o acontecimento é registrado em milhares de fotografias?”, questiona-se a fotógrafa Cláudia Linhares Sanz, em seu depoimento no ciclo de palestras do FotoRio 200sobre o Paradig­ma Digital.

É como se ao ter tantas imagens acabássemos por não ter nenhuma (nem uma!). Cláudia demonstra essa idéia: “... talvez possa ser dito que quando o núme­ro de acontecimentos noticiados é gigantesco, há uma espécie de cancelamento mútuo: todos os fatos são acontecimentos e, ao mesmo tempo, nenhum o é efetivamente.” Seria o incessante fotografar uma contrapartida aos infinitos estímulos que sofremos co­tidianamente? A aceleração do tempo contemporâneo naturalmente afeta todos os indivíduos e os desafia a se enquadrar ou ficar à margem de uma sociedade cujos valores máximos são a eficiência e a pressa.

Os questionamentos sobre esse tipo de dinâmica (indivíduo - meio social) são feitos há bastante tempo por teóricos em diferentes áreas; também nas artes visuais e no campo do entretenimento, como o faz Ben Singer, no ensaio “Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular”. Refletindo sobre a intensificação das sensações promovidas pelos entrete­nimentos comerciais à medida que a vida urbana se acelerava na passagem do século XIX para o século XX, ele cita a marca da modernidade reconhecível “no poder do cinema como veículo para transmitir veloci­dade, simultaneidade, superabundância informacional e choque visceral.” Ele prossegue demonstrando que havia uma contrapartida estética em relação à nova estrutura da vida cotidiana, em termos sociais, econô­micos, espaciais e temporais: “O ritmo rápido do ci­nema e sua fragmentação audiovisual de alto impacto constituíram um paralelo aos choques e intensidades sensoriais da vida moderna”.

Novos recursos, novos ritmos

Os meios digitais de produção vêm transformando o ritmo de trabalho de vários tipos de profissional. A comunicação, por reunir texto, imagem e vídeo, está passando por profundo e constante processo de reformulação nesse contexto. Mas, sem dúvida, o referido processo é parte de uma transformação muito mais ampla.

Os impactos gerados pela introdução de novas tecnologias, em intervalos de tempo sempre menores, e pelas conseqüentes mudanças na forma de pro­dução e consumo, seja de produtos, conhecimento ou entretenimento, vêm desestabilizando as “ordens estabelecidas” e sendo absorvidos na reestruturação dos procedimentos cotidianos.

É um processo infinito e vivemos ainda os desdobramentos da instauração da vida moderna, porém, agora, em níveis de aceleração tão críticos que nascemos fazendo contagem regres­siva. A teórica Cláudia Linhares Sanz demonstra: “A duração deixa de ser recurso para se configurar em fator de alto risco.” Como contraponto, coloca-se o artigo do fotógrafo Pedro Vasquez publicado no jornal O Globo em abril de 2006: “Mas nem tudo está perdi­do, pois da mesma forma que a avassaladora difusão da fast food gerou o movimento reformista da slow food, é bem provável que o tsunami da fast picture seja contrabalançado pelo regenerador contramovi­mento da slow photography.

As pessoas procuram se adaptar e acompanhar as transformações do ambiente externo. Georg Simmel, em seu artigo “A metrópole e a vida mental”, de 1902, demonstra o mecanismo de defesa individual contra a grande quantidade e diversidade de estímulos na me­trópole. Cada um desenvolveria uma certa indiferença como capa protetora, buscando evitar sua fragmen­tação enquanto indivíduo. Ele definiu essa adaptação como "blasé".

Esse sintoma, identificado no início do século passado, continua a fazer muito sentido. Somos bombardeados por informação constantemente e precisamos de filtros para selecionar a que o cérebro deve se ater para processar. Assim, a veiculação de informação, de qualquer tipo, leva em conta o fato de nos concentrarmos por pouco tempo em cada coisa. A compreensão precisa se dar de forma quase instantâ­nea. Uma mínima duração do contato com determinada informação atua contra a conexão com os indivíduos que facilmente irão se atrair por outro estímulo. O borbotão de imagens digitais está inserido nesse processo, gerando sempre novidades excitantes por poucos segundos, rapida­mente consumidas e esquecidas.